Caracterização e ratificação do Pilates como método e modalidade de Ginástica

Caracterização e ratificação do Pilates como método e modalidade de Ginástica

NOTA TÉCNICA CONFEF N° 001/2010

Assunto: Caracterização e ratificação do Pilates como método e modalidade de Ginástica

1.    Introdução

A presente Nota Técnica caracteriza e ratifica o Pilates como método e modalidade de ginástica considerando seus aspectos técnicos e metodológicos, bem como, seu elenco de conteúdos, historicamente situados e incorporados à sua prática como método original ou sob outras derivações, com o propósito de contextualizar e de justificar sua utilização como ferramenta de intervenção dos Profissionais de Educação Física. Esse documento também esclarece sobre a obrigação das pessoas jurídicas prestadoras de serviços na área de atividades físicas, desporto e similares, de garantir que, quando oferecido em suas dependências, o Pilates seja orientado por Profissionais de Educação Física.

2.    Contexto ampliado

O termo Pilates, hoje utilizado para designar um tipo de ginástica, é na verdade, uma referência ao idealizador da atividade em questão: Joseph Pilates.

Joseph Hubertus Pilates nasceu na Alemanha, em Mönchengladbach, uma cidade próxima a Duseldorf, em 1883, e aparentemente desenvolveu o gosto pela cultura física e o reconhecimento do valor dos exercícios físicos como ferramenta para a manutenção da saúde a partir das experiências vivenciadas na escola (Gallagher; Kryzanowska, 2000).

Grande parte dos textos existentes sobre a vida de Joseph Pilates indica seu contato e adesão ao mundo do circo, fato que colaborou para aprimoramento de seu gosto pela estética corporal e pela preparação física (Selby; Herdman, 2000).

Deve-se destacar, neste caso, a atmosfera e o contexto das práticas corporais que se proliferavam em vários países da Europa ao final do Século XIX, desencadeando o que mais tarde se denominou de Movimento Ginástico Europeu.

O Movimento Ginástico Europeu caracterizou-se como um amplo e intenso movimento cultural que firmou a ginástica no horizonte das décadas seguintes como um método sistematizado de exercícios para os cuidados higiênicos e que marcou o rompimento com a base primordial das práticas corporais vigentes – as atividades lúdicas.

Formulou, gradativamente, os princípios de ordem e de disciplina assimilados, em diversos países, como parte da educação dos indivíduos e reconhecidos até hoje, em seu conjunto, como Ginástica. Esta atividade, por sua vez, caracterizou os primeiros modelos de organização das aulas do que hoje concebemos como Educação Física (Soares, 1998).

Destaca-se, neste caso, não só o nexo causal e a histórica relação inseparável entre a ginástica e a Educação Física, mas também, a tendência de consenso terminológico de tratar os exercícios físicos organizados como ginástica, independentemente do método utilizado.

A Educação Física que se dinamizava neste período, era baseada nos métodos ginásticos europeus que se firmavam em princípios biológicos e faziam parte de uma manifestação mais ampla de natureza cultural, científica e política.

Ramos (1984) caracteriza tais manifestações culturais como movimentos doutrinários e relaciona, entre os mais expressivos:

•    O Movimento Doutrinário Germânico
•    O Movimento Doutrinário Escandinavo
•    O Movimento Doutrinário Francês
•    O Movimento Desportivo Inglês
•    O Movimento Desportivo Mundial

As aplicações dos exercícios físicos dentro e fora do ambiente escolar estavam impregnadas deste contexto cultural. A ginástica, enquanto ferramenta de intervenção profissional servia a diferentes propósitos com uma concepção predominantemente higienista e militarista.

Marinho (1980) destaca como exemplo a linha doutrinária sueca, iniciada por Per Henrik Ling (1776 – 1839), os seguintes enfoques da ginástica: Pedagógica e higiênica; médica; militar.

Para os propósitos deste documento, não cabe detalhar as características de cada uma das manifestações elencadas. Cabe apenas relacioná-las como exemplo da amplitude e da penetração do Movimento Ginástico Europeu e de sua provável influência sobre a vida e a obra de Joseph Pilates.

A visão sobre a contribuição da ginástica para o contexto da saúde individual e coletiva, fortemente disseminada na Europa a partir do Século XVIII, aparece refletida nos diferentes métodos surgidos desde então, inclusive no método desenvolvido por Joseph Pilates que se origina da idéia dos cuidados com a saúde e com o zelo pela estética harmoniosa, conforme publicado na obra de sua autoria denominada Your Health: A corrective system of exercising that revolutionizes the entire field of physical education, publicado em 1934 e parece evoluir deste conceito, para um formato metodológico para o ensino e a prática de exercícios físicos denominado de Contrologia, expresso na publicação Pilates: Return to Life Through Contrology publicado em 1945, também de sua autoria.

3.    Contrologia: A origem do Pilates

Em 1934 Joseph Pilates publica seu livro Your Health, um ensaio sobre questões e comportamentos relacionados com a saúde. Neste livro ele divulga seu método de condicionamento físico e mental intitulado The Contrology (Contrologia).

Pilates definia a Contrologia como:

O controle consciente de todos os movimentos musculares do corpo. É a correta utilização e aplicação dos princípios de alavanca proporcionados pelos ossos comprimindo a estrutura esquelética do corpo, o completo conhecimento do mecanismo do corpo e um completo entendimento dos princípios de equilíbrio e gravidade como aplicado aos movimentos do corpo em movimento, em repouso e dormindo (Pilates, 1998, p. 15).

E segue descrevendo seu método como uma ciência que promove um equilíbrio entre corpo e mente:

O meu sistema desenvolve o corpo e mente, de forma simultânea e normal, em casa, começando gradual e progressivamente pela infância e indo pelos dias de escola e de colégio, até a maturidade (Pilates, 1998, p. 18).

Tal definição destaca o caráter intencional do criador do método de que seu programa de exercícios físicos fosse adotado pelas escolas como um método de exercícios para os cuidados pessoais. Essa aspiração indica que as expectativas de Joseph Pilates sobre a aplicabilidade de seu sistema de exercícios nas escolas, encontravam-se alinhadas com a finalidade higienista, fortemente enraizada na Educação Física na primeira metade do Século XX.

A Contrologia, como se apresenta, é um método de ginástica que originalmente se manifesta de duas maneiras principais:
a)    A Contrologia de solo com os seus 34 exercícios livres, praticados sob solo;
b)    A Contrologia nos aparelhos, com mais de 400 exercícios organizados nos diferentes aparelhos típicos do Pilates.

Havia, neste contexto, uma clara recomendação do idealizador do método para que os exercícios e as seqüências não fossem modificados. Esta afirmação esta literalmente expressa no seguinte trecho:

“The only unchanging rules you must conscientiously obey are that you must always faithfully and without deviation follow the instructions accompanying the exercises and always keep your mind wholly concentrated on the purpose of the exercises as you perform them. This is vitally important in order for you to again the results sought, otherwise, there would be no valid reason for your interest in Contrology. Moreover, you must accept all collateral advice with equal fidelity. Remember that you are teaching yourself – right! The benefits of Contrology depend solely upon performing the exercises exactly according to instructions – and not otherwise (PILATES; MILLER, 1945, pág.10)”

A única regra que não muda e que você deve obedecer conscientemente sem nenhum desvio as instruções que acompanham os exercícios e ter a mente totalmente concentrada em fazer os exercícios de forma correta. Isso é vitalmente importante para você atingir os objetivos desejados e que de outra maneira não há razão para você ter interesse na Contrologia. Mais que tudo você deve aceitar todos os conselhos colaterais com igual fidelidade. Lembrar que você esta ensinando a si mesmo. Certo! Os benefícios da Contrologia dependem apenas de executar os exercícios exatamente de acordo com as instruções e não de outra maneira (Pilates; Miller, 1945, p.10).

Pode-se, a partir desta citação estabelecer duas situações específicas, típicas do atual momento: a primeira, onde a Contrologia é aplicada conforme as indicações de seu idealizador e, portanto, haveria justificativa e respaldo para nos referirmos a esta prática como sendo a do Método Pilates, e a segunda situação onde, os equipamentos e exercícios originalmente propostos por Joseph Pilates são utilizados fora dos padrões metodológicos preconizados, com novas rotinas e outros implementos.

Neste caso, observa-se que cada profissional organiza e aplica livremente suas rotinas de exercícios, tal fato, indica a impossibilidade de se caracterizar as referidas práticas como um método, e sim como uma modalidade de ginástica.

4.    O Pilates e o Profissional de Educação Física

A caracterização do Pilates como um método e uma modalidade de ginástica encontra respaldo, tanto nos textos sobre o assunto, quanto na tradição estabelecida.

Sua prática, orientada segundo os princípios da Contrologia, bem como, aquelas adaptadas a novos implementos e rotinas, caracteriza-se como a prática de exercícios físicos sistematizados, com a clara intenção de promover efeitos sobre a saúde, sobre o condicionamento físico, sobre a estética, a reabilitação orgânica e a capacidade funcional, com impacto significativo sobre o estilo de vida, o bem estar, o nível de autonomia para a realização das atividades de vida diária, a desempenho esportivo, a capacidade de expressão corporal, a auto-estima, entre outros atributos e funções.

Os trechos seguintes expressam a opinião do idealizador do método sobre sua finalidade principal e sobre a importância da Educação Física no contexto da aplicação de seu sistema de exercícios.

As considerações, publicadas na forma de considerandos, foram assim apresentadas em seu livro Your Health: A corrective system of exercising that revolutionizes the entire field of physical education (Pilates, 1998, p. 11).

“20 – That for over 25 years, the writer has conducted progressive experiments along scientific and practical lines with his own body and those of his, pupils, and complete results of his of extensive research along these lines, are now incorporated in the writer’s work under his coined name of “Contrology”. This represents a brief but comprehensive system of physical culture and is presented in the form of a new art and science, which, if universal adopted and taught in all our educational institutions, will not only tend greatly to eliminate needless human suffering, but will also tend to reduce the necessity for more hospitals, more sanitariums, more homes for the crippled, more lunatic asylums, more reformatories and more prisons. It also will tend to make mere words indicating theoretical conditions rather than the conditions in fact.

Everyone possessing the moral courage owes it himself and humanity to investigate the merits claimed for “Contrology” by me.”

20 – Que durante mais de 25 anos o escritor conduziu experiências progressivas ao longo de caminhos científicos e práticos com o seu próprio corpo e com os dos seus alunos, e os resultados completos da sua ampla pesquisa ao longo destas linhas estão agora incorporados no trabalho do escritor sob o nome por ele cunhado de “Contrologia”. Isto representa um sistema conciso, mas abrangente de cultura física e é apresentado na forma de uma nova arte e ciência que, se universalmente adotada e ensinada em todas as instituições de ensino, não apenas contribuirá grandemente para eliminar desnecessários sofrimentos humanos, mas também para reduzir a necessidade de mais hospitais, sanatórios, casas para os aleijados, hospícios, reformatórios e prisões. Também contribuirá para fazer a expressão “saúde” e “felicidade”, algo mais que meras palavras indicando condições teóricas, mais que condições de fato.

Todo aquele que possua a coragem moral tem o dever para consigo e para com a humanidade de investigar os méritos reivindicados para a “Contrologia” por mim.

Em outro trecho, Joseph Pilates, cita o domínio da Educação Física, como um requisito necessário para a devida percepção dos conceitos fundamentais para se alcançar um padrão de saúde normal. Segue assim dizendo:

“Since the public seemingly is either uniformed or misinformed with reference to these principles, they cannot of necessity benefit by them, which fact is only too self-evident when one, Who is himself thoroughly versed in the knowledge of physical educations, measures humanity in terms of normal health. If this knowledge were universally adopted both laymen and advocated for its propagation, universally adopted both laymen and professionals, as well as by the properly constituted health authorities in particular, what a splendid human race we would see (Pilates, 1932, p. 29).”

Desde que o público, ao que parece, ou está desinformado ou mal informado com relação a estes princípios, ele não tem como tirar proveito deles. Este fato apenas salta aos olhos, quando alguém que domina o campo da educação física, mede a humanidade em termos de saúde normal. Se este conhecimento fosse universalmente disseminado e se o sistema advogasse pela sua divulgação, universalmente adotado por leigos e profissionais, assim como pelas devidamente constituídas autoridades de saúde em particular, que esplêndida raça humana veríamos (Pilates, 1998, p. 29).

Ao se analisar as características e intencionalidades declaradas por Joseph Pilates sobre seu método, comparando-as com as competências dos Profissionais de Educação Física, definidas no Documento de Intervenção Profissional do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), conforme o trecho que se segue:

O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações – ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda, para a consecução da autonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo.

Destaca-se a prerrogativa privativa dos Profissionais de Educação Física na utilização do Pilates como método e modalidade de ginástica, assim como, sua responsabilidade ética de intervir baseado em princípios científicos, técnicos e metodológicos, historicamente constituídos e legalmente situados em seu campo de intervenção, que permitam ao beneficiário da atividade uma prática segura e eficiente, que conjugue, adapte e ajuste a proposta originalmente apontada por Joseph Pilates com as modernas técnicas, recursos atualmente disponíveis.

Evidencia-se, também, a responsabilidade das empresas prestadoras de serviços em atividades físicas que oferecem o Pilates, de esclarecer a sociedade sobre os propósitos e características desta modalidade de ginástica, bem como, de disponibilizá-la orientada e supervisionada por Profissionais de Educação Física, devidamente capacitados e habilitados.

5.    Considerações finais

A análise sobre os fundamentos históricos, técnicos e metodológicos do Pilates aponta para sua caracterização como uma modalidade de ginástica que, entre outras possibilidades de conteúdos, recursos materiais e métodos pode fazer uso da Contrologia.

A Contrologia, como método original proposto por Joseph Pilates, consiste em um sistema de exercícios físicos com princípios e fundamentos técnicos, criados a partir das influências do Movimento Ginástico Europeu.

A ginástica, historicamente situada como uma ferramenta de intervenção dos Profissionais de Educação Física, apresenta-se atualmente em diferentes modalidades e com múltiplas possibilidades de utilização de equipamentos, seleção de exercícios e aplicação de métodos, como por exemplo, o Pilates, a Contrologia e os equipamentos e rotinas tipicamente utilizadas em sua aplicação.

A manifestação do Pilates como modalidade e método de ginástica indica a prerrogativa privativa dos Profissionais de Educação Física em sua utilização como ferramenta de intervenção, especialmente, quando observados os aspectos de característicos do método/modalidade, a intencionalidade predominante em sua utilização e as competências profissionais necessárias à sua utilização.

Este fato aponta para a responsabilidade das empresas de atividades físicas, tais como, academias e estúdios que oferecem o método/modalidade garantir que os serviços sejam prestados por profissionais de Educação Física devidamente capacitados, habilitados e comprometidos com uma intervenção técnica e cientificamente balizada e historicamente situada.

A presente Nota Técnica foi aprovada em reunião ordinária do Plenário do CONFEF, realizada em 10 de abril de 2010.

Jorge Steinhilber
Presidente do CONFEF
CREF 000002-G/RJ

 

Originalmente publicado no site do CONFEF.